segunda-feira, 22 de junho de 2020

ENTREVISTA AO PROFESSOR LUÍS SANTOS, PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO DE PAIS DO AGRUPAMENTO DE ESCOLAS DE CABECEIRAS DE BASTO


BRUNA RODRIGUES (BR): O que mudou na sua vida desde a interrupção das aulas presenciais (em março)? 

Luís Santos (LS): Mudou muita coisa! No meu caso, sou uma pessoa com várias ocupações e a minha vida sofreu um abalo gigantesco em todos os capítulos. Como professor, passei a fazer algo diferente do que estou habituado a fazer e para que não estava preparado: trabalhar a distância. É um modo de trabalhar que não tem a ver com o que tenho feito ao longo dos últimos 22 anos de experiência profissional. Senti, como outros professores sentiram, imenso a falta do contacto com os alunos. Como presidente da Associação de Pais do Agrupamento, foi necessário trabalhar muito para fazer face aos numerosos problemas que surgiram. O nosso objetivo foi sobretudo acudir às necessidades dos alunos com maiores dificuldades no acesso a esta nova forma de ensino. Foi um esforço enorme e, apesar de nem sempre termos tido os resultados pretendidos, conseguimos prevenir ou resolver muitas situações. 

ÂNGELA MOURA (AM): Acha que o sistema de ensino português estava preparado para esta situação? 

LS: O sistema de ensino somos todos nós, na verdade: os alunos, os professores, os encarregados de educação, os auxiliares, as diversas entidades e instituições. Depois, claro, há a tutela, o Ministério da Educação, o governo em geral. Eu creio que ninguém estava preparado para um problema desta dimensão. Nunca tínhamos vivido algo assim, nunca nos tínhamos preparado para algo assim. De qualquer modo, no meio de tantas dificuldades, há aspetos positivos a retirar, nomeadamente a capacidade que revelámos todos para uma adaptação rápida e, na medida do possível, eficaz. Por exemplo, eu não estava familiarizado com esta plataforma de comunicação, o Zoom, mas fui obrigado, como outros, a adotar este e outros processos para manter o contacto com os alunos e os colegas. De qualquer forma, sublinho, no que se refere às aulas, nada substitui, em minha opinião, o trabalho presencial. 

BR: Que balanço faz do trabalho realizado pelos professores e pelos alunos desde que se iniciou este regime de ensino a distância? 

LS: Apesar de todas as dificuldades, o balanço que faço é positivo. Em termos de cumprimento dos objetivos delineados no início do ano letivo, não é bem assim; muitos terão ficado irremediavelmente por cumprir, tendo em conta as limitações que o ensino a distância compreende. Por outro lado, conseguimos coisas positivas, gratificantes. Em termos de Associação de Pais, recebemos inúmeras solicitações e, em geral, cumprimos sempre o que nos foi pedido. Entre muitas missões, lembro o esforço enorme no sentido de fazer chegar materiais pedagógicos a alunos que o não tinham consigo, o empréstimo de meios tecnológicos necessários para aceder às tarefas escolares, a resolução de problemas relacionados com o acesso à internet, a entrega de documentos - planificações, fichas de trabalho - em papel a várias famílias do concelho (espalhadas pelas várias freguesias da nossa comunidade), etc. Fizemos o melhor que pudemos, tudo quanto estava ao nosso alcance. Desse ponto de vista, julgo até que temos motivos para estar orgulhosos do trabalho desenvolvido. 

AM: Quais foram as principais dificuldades que sentiu, como professor, como presidente da Associação de Pais e como encarregado de educação? 

LS: Como encarregado de educação, foi fácil: os meus filhos já são razoavelmente crescidos (tenho um no 12º ano e outra no 9º ano) e são 100% autónomos, o que me garantiu, desde logo, uma segurança e um conforto grandes. Como professor, foi bastante difícil: tenho 140 alunos, de 9 turmas diferentes. No caso de alguns alunos, foi quase impossível manter um efetivo contacto desde meados de março. Numa primeira fase, criei um grupo no Facebook para garantir uma maneira de permanecermos ligados e foi essa, durante algum tempo, a plataforma que usámos para comunicar. Para além disso, recorremos a e-mails, telefonemas, Zoom… De qualquer modo, por muito sofisticada que fosse a tecnologia, não foi possível garantir o que mais desejava: ter os alunos do meu lado, próximos. Como presidente da Associação de Pais, ganhámos novas responsabilidades e novas competências, naturalmente: para além de acudir às diversas solicitações que fomos recebendo, recorremos ao contributo dos professores das Atividades Extra-Curriculares e de monitores que habitualmente já trabalham connosco. Eles ajudaram-nos bastante no cumprimento da nossa missão de ajudar os alunos. Julgo que, acima de tudo, conseguimos assegurar alguma igualdade no acesso dos alunos à Escola. Toda a nossa atuação foi concretizada em trabalho de parceria com a Direção do Agrupamento e a Autarquia. Recordo, a título de exemplo, a importância de termos garantido refeições a alunos carenciados. Olhando para trás, recordo as numerosas reuniões que tivemos, sempre no propósito de responder aos desafios colocados pela situação, procurando melhorar, sempre que possível, a nossa forma de agir. Cumprimos, creio eu, a nossa obrigação. 

BR: Como classifica, em geral, a atitude dos pais/encarregados de educação durante este período tão complicado? 

LS: Muitos pais acabaram por me deixar bastante surpreendido (aliás, agradavelmente surpreendido). Sinto até um certo orgulho por ver que a grande maioria dos pais correspondeu exemplarmente ao que deles era esperado. Como é evidente, a sua atitude de colaboração e esforço não foi mais do que o cumprimento da sua natural obrigação enquanto encarregados de educação, mas a resposta dada deixou-me mesmo bastante satisfeito. Os pais foram, neste período, mais do que nunca, um verdadeiro aliado da Escola. Vale a pena lembrar o que significa a expressão “comunidade educativa”: trata-se de um conjunto de entidades trabalhando para um fim comum, que é sobretudo conseguir que a Escola Pública seja cada vez melhor. E este é um labor conjunto, que obriga a um constante esforço e a uma constante colaboração entre todas as partes. É claro que há alguns pais que, infelizmente, não cumprem bem o seu papel, mas são uma minoria. Em geral, o balanço é muito positivo. 

AM: Como olha para o próximo ano letivo? Tem esperança de que possamos regressar à normalidade? 

LS: Mais do que esperança, trata-se de um desejo. É difícil prever com exatidão o que vai suceder. Note-se que as decisões políticas, neste contexto muito delicado, têm sido tomadas, regra geral, com 3-4 dias de antecedência. Tudo depende sempre da evolução da pandemia. Voltar às aulas presenciais seria o ideal, caro! Mas o que aí vem é ainda uma incógnita. Aproveito, aliás, para me dirigir ao jovens e lembrar que o nosso futuro também depende, em grande medida, da sua própria ação. Temos visto como algumas atitudes imprudentes e irresponsáveis põem em causa o esforço de todos; há jovens que parecem pensar que a Covid-19 é algo que só sucede aos outros (em especial, aos mais velhos), mas os médicos e os cientistas já explicaram que não é bem assim. E, mesmo que os jovens não sejam um grupo de maior risco, podem sempre ser veículos de transmissão do vírus aos outros. 

BR: Uma curiosidade: durante este tempo de pandemia, quando estava em confinamento, além do tempo dispensado ao teletrabalho, como passava o seu dia? 

LS: Passei algum tempo em arrumações, por exemplo: arrumei coisas que, desde há muito, não tivera ainda tempo de arrumar. Vi também televisão (sobretudo, séries) e passei mais tempo com a família. 

AM: Deixe, por favor, uma mensagem à comunidade educativa da nossa Escola (em particular, aos alunos, aos professores e aos encarregados de educação) … 

LS: A minha mensagem é de esperança. Espero que, num futuro próximo, possamos voltar a uma vida normal, ou quase normal. No entanto, temo que nada volte a ser exatamente igual ao que era. Mas, pelo menos, que se recupere a possibilidade de estarmos próximos uns dos outros. Em 22 anos de professor, nunca me tinha acontecido chegar ao final de um ano letivo sem a possibilidade de me despedir dos meus alunos com um abraço. Apesar de tudo, tenhamos esperança. 

BR: Em nome do Clube de Jornalismo da Escola do Arco, muito obrigado pela entrevista que nos concedeu. Desejamos-lhe saúde e felicidades. 

Arco de Baúlhe, 22 de junho de 2020.

Entrevistadoras: Ângela Moura e Bruna Rodrigues, 9º B1 

Coordenação da atividade: JJC

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