segunda-feira, 22 de junho de 2020

ENTREVISTA (via Zoom) À PROFESSORA MARIA DO CÉU CARIDADE, DIRETORA DO AGRUPAMENTO DE ESCOLAS DE CABECEIRAS DE BASTO


LETÍCIA CAMPOS (LC): O que mudou na sua vida desde a interrupção das aulas presenciais (em março)? 

MARIA DO CÉU CARIDADE (MCC): Mudou muita coisa, na verdade. Em termos profissionais, vivemos tempos de grandes dificuldades e de grandes desafios. Foi preciso montar rapidamente o sistema de ensino a distância, num contexto muito, muito complicado. A qualquer altura, tínhamos de alterar, melhorar, corrigir processos, metodologias, sempre de acordo com a situação e com as instruções da tutela. A nossa grande preocupação, para além de assegurar orientações claras e meios adequados aos professores, era conseguir que os alunos fossem também capazes de corresponder às novas exigências. Temíamos que muitos não possuíssem o material informático requerido, a internet e até a autonomia necessária para usar as novas tecnologias. Quisemos, a todo o custo, que nenhum aluno fosse deixado para trás! 

LC: Acha que o sistema de ensino português estava preparado para esta situação? 

MCC: Não! Não estava o sistema educativo, como também, de certa forma, nenhum outro sistema da nossa sociedade, incluindo os relacionados com a saúde e a economia. No nosso caso, tivemos uma certa vantagem, à partida, que resulta do facto de os professores serem profissionais com uma extraordinária capacidade de adaptação. A classe docente tem passado por grande número de reformas ao longo da sua vida profissional e essa experiência acabou por conferir-lhes um conjunto de competências que, neste contexto, se revelaram fundamentais. Por outro lado, não me canso de dizer que os professores têm, em geral, uma especial motivação: trabalhar com os alunos, ajudar os jovens do nosso País a preparar o seu futuro da melhor forma possível. No fundo, para além da capacidade profissional, há aqui, diria, uma componente de vocação. 

LC: Que balanço faz do trabalho realizado pelos professores e pelos alunos desde que se iniciou este regime de ensino a distância? 

MCC: O balanço é muito positivo. Pudemos contar com um enorme empenho de professores e diretores de turma, assistentes técnicos, alunos, encarregados de educação. Desenvolveu-se um verdadeiro trabalho de equipa, que contou com a preciosa colaboração de parceiros muito importantes (Câmara Municipal de Cabeceiras de Basto, Juntas de Freguesia, Associação de Pais, etc.). Tratou-se de uma parceria efetiva, não apenas de algo que estava no papel. Sem o nosso trabalho colaborativo, a situação teria sido muito mais complicada. 

LC: Quais foram as principais dificuldades que sentiu, como Diretora do nosso Agrupamento? 

MCC: A primeira grande dificuldade foi não poder preparar a nossa ação antecipadamente. Repare-se: tudo estava sempre a mudar, a cada momento, num clima de grande incerteza. Aliás, nas duas últimas semanas das aulas presenciais (de 2 a 13 de março), havia grandes dúvidas sobre as medidas a tomar no nosso País. De qualquer modo, já então pusemos em prática várias medidas, relacionadas com os cuidados a ter em matéria de higienização, com a divulgação de regras de etiqueta respiratória e com precauções a observar no convívio social. Depois de o ensino passar a funcionar a distância, a nossa preocupação foi não perder o contacto com os nossos alunos, encontrando maneiras de os manter ligados à Escola. Seguimos, como é evidente, as diretrizes superiores que foram chegando. O trabalho foi intenso e constante. Não havia tempo para folga ou descanso, na verdade. E isto valeu para a direção como para os professores em geral! O facto de muitos alunos não terem computador ou sinal de internet comprometia, logo à partida, o nosso objetivo de ninguém ficar para trás. É claro que a Câmara Municipal deu uma grande ajuda e contámos com a colaboração de Juntas de Freguesia para fazer chegar a alguns alunos e respetivos encarregados de educação, em mão, as planificações e as tarefas semanais. Fomos sempre adaptando práticas, alterando, corrigindo, melhorando. Repito: o nosso objetivo foi não perder o contacto com os alunos (todos os alunos). Tivemos ainda a ajuda importante do Gabinete de Apoio ao Aluno e à Família (GAAF) – e chegou a ser necessário contactar a CPCJ (Comissão de Proteção de Crianças e Jovens) para prevenir ou resolver algumas situações. 

LC: Como classifica, em geral, a atitude dos encarregados de educação durante este período tão complicado? 

MCC: Os encarregados de educação foram também uns verdadeiros heróis! Foi-lhes incumbida uma missão muitíssimo difícil: trabalhar (no caso de poderem continuar a sua atividade profissional), ser pais e, num acrescento a essa tarefa, monitorizar o trabalho escolar dos seus filhos. Louvo o esforço desses pais, pois não se trata de um trabalho fácil. Para um encarregado de educação que é, profissionalmente, professor ou educador, será um pouco mais fácil, mas para outros houve a necessidade de aprenderem a agir num contexto que, como é óbvio, não dominavam. Em geral, a colaboração dos pais foi, na verdade, muito boa. Já agora: se é possível retirar aspetos positivos deste panorama, podemos dizer que os pais tiveram a oportunidade de conhecer melhor a realidade do trabalho escolar. Houve pais que ficaram a perceber melhor a dinâmica da escola. Penso que houve uma aproximação entre os pais e a Escola. É importante refletirmos sobre isto e tirar ilações para o futuro. 

LC: Como olha para o próximo ano letivo? Tem esperança de que possamos regressar à normalidade? 

MCC: Todos nós queremos voltar à normalidade. Tenho esperança de que, no próximo ano letivo, voltaremos às aulas presenciais, ainda que com algumas mudanças. Estamos à espera de decisões da tutela. Penso que começaremos em setembro, respeitando cuidados de higienização e, tanto quanto possível, de distância social. Enquanto não houver vacina ou um medicamento eficaz para este coronavírus, será sempre uma situação delicada e todos os cuidados são poucos. Se pudermos voltar às aulas presenciais, seria muitíssimo bom! De qualquer modo, penso que todos aprendemos com o que passámos (e estamos ainda a passar), quer os professores, quer os alunos. No caso dos alunos, creio que muitos terão finalmente percebido, com o ensino a distância, a importância da responsabilidade, do esforço e da autonomia. Costumo dizer que, muitas vezes, não são os professores que ensinam; são os alunos que aprendem. Mas os alunos têm de querer aprender! Julgo que se os nossos alunos evidenciarem este sentido de responsabilidade nas aulas presenciais, todos teremos imenso a ganhar. 

LC: Uma curiosidade: durante este tempo de pandemia, quando estava em confinamento, além do tempo dispensado ao teletrabalho, como passava o seu dia? 

MCC: Na verdade, a maior parte do tempo estava ocupada com o trabalho, como há pouco disse. Naturalmente, estar em casa permite um contacto mais frequente com a família e esse acaba por ser um aspeto positivo, no meio de tantas dificuldades. Vou confidenciar-vos algo de muito pessoal: eu vivo numa aldeia de Montalegre, numa zona muito bonita, com montes à volta e perto de uma barragem; durante os raros tempos livres com que pude contar, comecei a fazer caminhadas, percorrendo caminhos que conhecia dos meus tempos de infância e juventude, mas que não visitava há muito. Revi lugares há imenso não vistos e recordei pessoas (algumas das quais já falecidas) que comigo passavam por aqueles mesmos lugares. Acabou por ser uma forma de me reencontrar com um espaço ligado à minha infância e à minha juventude, a uma época de felicidade e de pureza. Algumas dessas caminhadas foram a caminho de casa da minha mãe, que vive a alguns quilómetros de distância. Eu visitei-a, nesta fase, com bastante frequência, para sua e minha alegria. Ficávamos, bem entendido, a alguma distância uma da outra, mas podíamos falar e, assim, o confinamento da minha Mãe (que, devido à idade, pertence a um grupo de risco) ficou mais fácil de suportar. 

LC: Deixe, por favor, uma mensagem à comunidade educativa da nossa Escola (em particular, aos alunos, aos professores e aos encarregados de educação) … 

MCC: A esperança é fundamental. Eu creio que devemos confiar uns nos outros, sentirmo-nos pertença da comunidade, colaborarmos, estar à disposição uns dos outros, acreditar que somos - unidos e em conjunto - parte da solução. Na verdade, tudo se torna mais fácil se enfrentarmos juntos os problemas que vão surgindo. E só assim é possível sermos otimistas e acreditarmos que, de facto, tudo vai ficar bem. Este é um tempo que nos obriga, mais do que nunca, a assumir as nossas responsabilidades. Termino confessando-vos as saudades que tenho de uma Escola com toda a gente que faz parte dela (alunos, professores, assistentes operacionais). Já houve um sinal com a reabertura da Escola para o ensino secundário e, depois, para o pré-escolar… Esperemos que tudo volte, num futuro próximo, à desejada normalidade. Tenho mesmo uma grande vontade de voltar a ver pessoas nas escolas do nosso Agrupamento! 

LC: Muito obrigado pela entrevista que nos concedeu. Desejamos-lhe saúde e felicidades.

Arco de Baúlhe, 20 de junho de 2020.

Entrevistadora: Letícia Campos, 8º A1

Coordenação da atividade: JJC

Nenhum comentário:

Postar um comentário

ENTREVISTA (via Zoom) À PROFESSORA MARIA DO CÉU CARIDADE, DIRETORA DO AGRUPAMENTO DE ESCOLAS DE CABECEIRAS DE BASTO

LETÍCIA CAMPOS (LC): O que mudou na sua vida desde a interrupção das aulas presenciais (em março)?  MARIA DO CÉU CARIDADE (MCC): Mudou...